segunda-feira, 12 de outubro de 2009




3° SARAU CAIÇARA – PINACOTECA BENEDITO CALIXTO

A Pinacoteca Benedito Calixto (Av. Bartolomeu de Gusmão, 15 - Santos /SP) será palco de uma manifestação que vem reunindo cada vez mais adeptos e despertando a reflexão sobre a importância de nossa identidade cultural. Artistas, músicos, pesquisadores e escritores do litoral paulista, preocupados com sua herança histórica e com a formação de uma arte contemporânea caiçara, realizarão em 18 de outubro, domingo, a partir das 14 hs, o 3º Sarau Caiçara.

A 3° edição do evento comemorará a apresentação do projeto de lei para a instituição do “Dia do Caiçara” no calendário de Santos, litoral paulista. Fruto da pesquisa de Márcio Barreto, presidente do Instituto Ocanoa e organizador do evento, foi apresentado pela vereadora Telma de Souza (PT) na Sessão da Câmara e encaminhado para as comissões técnicas do Legislativo. Segundo Telma de Souza, tudo o que se fizer em torno desta data, a fim de homenagear, debater ou discutir, ajudará a definir a identidade caiçara, pois “A identidade de um povo é condição primordial para que ele saiba seu lugar no tempo e no espaço, para que tenha consciência histórica, com respeito às suas grandezas, sua arte, cultura e modo de vida”.


O evento anterior, também na Pinacoteca, contou com um público de mais de cem pessoas e a participação de artistas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e litoral paulista. Esta edição contará com a participação de Flavio Viegas Amoreira (Santos /SP) - escritor vanguardista, importante colaborador de jornais e sites, poeta, jornalista e agitador cultural apresentará o texto “Apaixonado de mar”; Percutindo Mundos (São Vicente /SP), grupo experimental de música contemporânea caiçara que atua na criação de uma arte caiçara contemporânea através da música, vídeo, literatura, arte-educação e filosofia; Ademir Demarchi (Maringá /PR), escritor com livros publicados no Brasil e exterior, formado em Letras - Francês, com Mestrado (UFSC) e Doutorado (USP) em Literatura Brasileira, é editor da revista BABEL, de poesia, crítica e tradução;; Adilson Félix (Santos /SP), fotógrafo premiado internacionalmente, cujos trabalhos vão da alta moda em Paris e Nova Iorque à AIDS em Uganda e aos conflitos religiosos no Oriente Médio; Zéllus Machado (Santos /SP), músico, compositor, ator, artista multimídia, tem seus trabalhos semeados na literatura, no teatro, na música e na cultura caiçara; Tubarão (Santos /SP), escritor, artista plástico e arte-educador, expressa-se através de sua "Arte Dulixo" - um conceito que trabalha com diversas manifestações artísticas e culturais; Wylmar Santos (São Vicente /SP), músico, intérprete, compositor e pesquisador, no seu trabalho mergulha no universo de compositores malditos e em suas composições com parceiros; Biga Appes (São Vicente /SP), fotógrafa e agitadora cultural, participará com exposição de fotografias que retratam o universo caiçara urbano; GatoNinja (São Paulo /SP), rapper e escritor que atua no litoral paulista e São Paulo, envolvido com a literatura periférica e a música; Cyro Barreto (São Paulo /SP), poeta da novíssima geração, jovem escritor cujo vigor e profundidade poética se mesclam na improvisação do free style; Andréia Passos (São Paulo /SP), cantora, pianista e compositora paulistana; Coral Fosfertil Baixada Santista com a regência da maestrina, pesquisadora e escritora Meire Berti (Santos /SP); AnaK Albuquerque (Cubatão /SP) e Giovane Nazareth (Cubatão /SP) com o projeto “Aluminarte” - esculturas feitas a partir da fundição de latas de alumínio recicladas; José Geraldo Neres (Diadema /SP), poeta, ficcionista, roteirista, atua na área de Gestão Cultural como produtor e arte-educador, ministrando oficinas literárias; Kiusam de Oliveira (Diadema /SP), pedagoga, bailarina, coreógrafa, Doutora em Educação e Mestre em Psicologia (USP), atua como gestora pública na Secretaria de Educação de Diadema, arte-educadora ministrando oficinas sobre empoderamento feminino a partir da pedagogia da afrodescendência através da Dança Mítica dos Orixás; Marcelo Gama (Santos /SP), escritor, compositor, jornalista, agitador cultural e representante dos Novos Praianos; Márcia Costa (Santos /SP), jornalista e produtora cultural; Alessandro Atanes (Santos /SP), jornalista, escritor, músico e compositor; Erika Karnauchovas (Santos /SP), mestre em Artes Cênicas com a pesquisa "Um processo criativo em dança contemporânea”: a simbiose Pedra / Osso na conexão entre os Princípios da Eutonia e os Fatores do Movimento, concluída em 2008 no Instituto de Artes da Unesp, SP, Erika se apresentará com os músicos Drieli Gaona e GG.com cenografia de Gilson de Melo Barros; Christy-ane Amici (Santos /SP), atriz, bailarina e coreógrafa que apresentará um fragmento da peça “Atro Coração” de Márcio Barreto; Adriane Almeida (Santos /SP), educadora e bióloga com a performance teatral “Ciranda Caiçara” representada pelos alunos da Escola Municipal Lucio (São Vicente /SP) e Anna Fecker (Santos /SP), atriz e modelo.


Segundo Márcio Barreto “O Sarau Caiçara possibilita o encontro de artistas, jornalistas e pesquisadores em torno da reflexão sobre nossa identidade cultural, base para a criação artística de nossa região”. As outras edições aconteceram em Santos, São Vicente e Paraty, Rio de Janeiro. O evento é gratuito.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Por que somos Caiçaras?



foto e texto: márcio barreto



Caa-içara é uma palavra de origem tupi que significa “armadilha ou cercado de galhos”. Segundo definições acadêmicas, o caiçara é visto como o indivíduo de comunidades tradicionais de pescadores localizadas no litoral sul do Rio de Janeiro, no litoral de São Paulo e no litoral norte do Paraná. Vive em comunidades isoladas e sobrevive basicamente da pesca e da agricultura de subsistência. Cultural e geneticamente é fruto da miscigenação entre índios, portugueses e africanos, ocorrida nos primeiros tempos da colonização.

Nossa região está inserida geográfica e historicamente na definição que acabamos de comentar. Diferimos dela apenas em nossa organização econômica e no fato de estarmos ligados ao mundo. Porém, não é difícil supor que, em nossa origem, vivíamos assim, alimentando-nos do que plantávamos e pescávamos. Imagine-se, por exemplo, a época em que aqui vivia o bacharel Cosme Fernandes, mais de trinta anos antes da chegada de Martim Afonso. É natural supor que o conhecimento trazido pelo bacharel se uniu à sabedoria indígena, possibilitando o modo de vida caiçara. Assim, acredito que temos a mesma origem caiçara.

Porém, não vivemos mais como vivíamos há quinhentos anos. Será por isso que não somos caiçaras?

Vejamos, podemos afirmar tranqüilamente que somos brasileiros ainda que não vivamos mais como vivíamos no tempo da Colonização, ou seja, continuamos brasileiros apesar de todas as mudanças históricas pelas quais passamos. Por que seria diferente com a questão sobre nossa identidade caiçara? Se não vivo mais como viviam meus antepassados deixo de ser caiçara? E por que não conseguimos enxergar nossas raízes? Onde está nossa identidade cultural e histórica? Perdida nas artimanhas de um conceito que valoriza mais a cultura estrangeira do que a nossa? Esse conceito está enraizado no primeiro momento em que o indígena viu o português e sentiu sua pretensa superioridade. Ainda hoje somos assim, sobre-valorizamos a cultura estrangeira e, muitas vezes, menosprezamos a nossa, acreditando que o que vem de fora é sempre melhor.

O que me intriga no conceito acadêmico é olhar o ser humano como uma peça de museu, parada no tempo, desvinculada do momento presente. O caiçara das comunidades tradicionais tem seu modo de vida preservado porque vive em regiões ainda isoladas, caso contrário, estaria vivendo como nós, haja visto o que aconteceu no litoral norte paulista depois da inauguração da estrada Rio-Santos.

Talvez a questão seja: devemos preservar o que éramos ou devemos mudar conforme o passar dos tempos? Creio que devamos preservar e também mudar, pois caso contrário ficaremos perdidos, sem saber quem somos e quem fomos.

A cultura caiçara é muito mais abrangente do que o conceito acadêmico e tacanho que insiste em limitá-la. Acredito piamente que a gênese e a formação do povo brasileiro é caiçara. Por que afirmo isso? Primeiro porque não posso afirmar que o indígena que aqui vivia antes do Descobrimento fosse brasileiro (mesmo porque a idéia de Brasil ainda não existia), sendo assim, visto que o colono era português e o escravo era africano, o primeiro brasileiro necessariamente seria filho dessa miscigenação, ou seja, seria caiçara. Mas como essa identidade poderia ter se alastrado pelo resto do país a ponto de, quase inconscientemente, formar a identidade brasileira? Simples, através dos bandeirantes paulistas liderados pelos portugueses e jesuítas que tinham como principal força de trabalho o caiçara vindo do litoral, mais precisamente de São Vicente. O movimento das Bandeiras, para se ter uma idéia, chegou a alcançar as terras do Paraguai, depois de desbravar o sertão paulista, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso. Ao mesmo tempo em que destruíam, matavam e aprisionavam, os bandeirantes levavam consigo sua herança cultural, seus hábitos, sua crenças oriundos de sua gênese caiçara.

A partir do séc. XIX com a chegada dos imigrantes estrangeiros, nossa região possibilita uma nova onda de miscigenação cultural e genética. É bom lembrar que, durante a maior parte de nossa história, todo conhecimento, toda cultura, chegava pelo mar e aportava em nossa região, para depois ser levada para o resto do Brasil. Como, então, tendo o Brasil começado aqui, em sua origem caiçara e, a partir daqui, se desenvolvido, não teríamos ajudado a formar a identidade brasileira?


Enfim, somos caiçaras, filhos do mar e da terra, dos índios, dos portugueses, dos africanos, dos espanhóis, italianos, franceses, holandeses, japoneses. Somos o primórdio e a contemporaneidade.